Candidatos estudam taxação a dividendos


Candidatos estudam taxação a dividendos

Em uma eleição marcada pelo confronto e pela polarização, a retomada da cobrança de Imposto de Renda sobre dividendos é praticamente consenso entre economistas dos principais pré-candidatos à Presidência da República.

Comumente defendida por aqueles mais à esquerda do espectro político, a necessidade de mudança na forma de tributação do lucro empresarial ganhou defensores entre candidatos da centro-direita, depois da reforma tributária americana, promovida pelo governo de Donald Trump no fim do ano passado.

Com a tributação sobre o lucro corporativo nos EUA caindo de 35% para 21%, a leitura é que o Brasil perde competitividade se mantiver a carga de 34% incidente hoje sobre empresas não financeiras de grande porte - a alíquota nominal dos bancos chega a 45%.

A solução seria, então, reduzir a tributação do lucro empresarial e compensar a perda de arrecadação cobrando IR sobre a distribuição dos dividendos. A Argentina, que tinha uma tributação de 35%, e apenas na pessoa jurídica, bastante semelhante à do Brasil, começou este ano a migrar para o modelo de cobrança em duas etapas, adotado em todos os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com exceção da Estônia.

A diferença entre os discursos dos pré-candidatos costuma aparecer em como fazer a transição. Isso porque, a depender da calibragem das alíquotas, é possível fazer uma troca que seja neutra do ponto de vista de arrecadação - tese defendida pelos mais liberais. Uma tributação de 22% no nível da empresa, e de 15% na pessoa física, por exemplo, deixaria a carga total próxima dos 34% de hoje.

Mas também é possível aproveitar a mudança de modelo para ganhar algum fôlego fiscal que ajude a cobrir parte do déficit primário - ainda que de modo emergencial e temporário. Seria uma carga extra a ser suportada pelos mais ricos, argumentam os políticos de esquerda.

A hipótese de simplesmente acrescentar o IR novo sobre dividendos, deixando a alíquota da pessoa jurídica nos mesmos 34%, é vista com reserva por economistas ouvidos pelo Valor, diante da provável perda de competitividade dos investimentos no país (esse foi o caminho adotado pelo México).

Outro ponto que é bastante consensual entre os que estudam esse tema é que, ao se fazer a escolha de se tributar dividendos, se corrija a distorção que existe nos regimes de lucro presumido e Simples, que estimula o fenômeno da "pejotização". Por causa da isenção dos dividendos, diz Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), as companhias se organizam em planejamentos nos quais os lucros ficam livres da tributação tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física. São planejamentos válidos do ponto de vista legal, avalia ele, mas que não são ideais em termos distributivos (ver quadro e a reportagem Tributaristas defendem fim da vantagem para PJ).

Dados organizados pelo escritório de advocacia FCR Law mostram que, num grupo de 15 países selecionados, a alíquota nominal média da tributação sobre lucros distribuídos e dividendos na pessoa física cresceu de 18,7% para 28,9% entre 2009 e 2018.

No mesmo período de comparação, a alíquota nominal da tributação corporativa direta sobre o lucro das companhias recuou de 30,9% para 26,1%.

Essa evolução contribuiu para aumentar a participação da pessoa física na tributação global que incide sobre o lucro corporativo, que passou de 27,5% para 44,5% no mesmo período.

Os 15 países da amostra são: EUA, Reino Unido, Canadá, México, Chile, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Japão, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha e Suíça.

A tendência é a mesma considerando todos os 35 integrantes da OCDE. A alíquota média nominal da tributação sobre dividendos nos países do grupo subiu de 19,6% para 24,1% entre 2009 e 2018, enquanto a tributação corporativa diminuiu de 25,5% para 23,9%. Assim, o peso relativo da pessoa física na tributação total sobre o lucro corporativo aumentou de 34,1% para 41,32%.

Eduardo Fleury, sócio do FCR Law, pondera que a alíquota nominal difere da carga tributária efetiva, já que o cálculo dos tributos possui bases e deduções específicas. No Brasil, por exemplo, a alíquota efetiva mediana incidente sobre o lucro de mais de 180 empresas da bolsa local fica em 23%, conforme levantamento do Valor.

Mesmo sendo importante esse tipo de ponderação, diz ele, os dados apontam a tendência mundial de redução da tributação corporativa e elevação da cobrança de impostos sobre dividendos da pessoa física.

O Brasil, defende Fleury, precisa seguir essa tendência para ganhar competitividade. Atualmente a Receita Federal tributa os lucros das empresas não financeiras a 34%, sendo 25% de IRPJ e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Desde 1995 não existe cobrança de IR sobre distribuição de lucros.

Com maior ou menor ênfase, a instituição da tributação sobre dividendos com redução simultânea da cobrança sobre o lucro das empresas já foi mencionada por diferentes assessores econômicos de pré-candidatos. Em debate promovido pelo Valor, Persio Arida, formulador do programa econômico de Geraldo Alckmin (PSDB), defendeu essa ideia, assim como Marco Bonomo, um dos economistas que trabalham com Marina Silva (Rede). Em entrevista ao Valor, Mauro Benevides Filho, coordenador do plano econômico de Ciro, defendeu a reinstituição da taxação de dividendos e também falou em reduzir o IR para empresas. O ex-prefeito Fernando Haddad, coordenador do programa de governo do PT, também apoia a tese de tributar dividendos. Paulo Guedes, que assessora Jair Bolsonaro (PSL), não foi questionado sobre o tema pelo jornal.

Entre os latino-americanos, o levantamento da FCR Law destaca o México, que começou a tributar dividendos em 2014, na alíquota nominal de 17,14%, a mesma usada até hoje. A alíquota da tributação sobre renda corporativa, porém, permaneceu em 30% nesse período. No Chile, a alíquota de IR sobre dividendos é atualmente de 13,3% enquanto a corporativa é de 25%.

A Argentina reduziu, a partir do início deste ano, a alíquota corporativa de 35% para 30%. Em 2020, ela cairá para 25%. Ao mesmo tempo, foi instituída a cobrança de 7% sobre dividendos e, partir de 2020, a alíquota sobe para 13%, de modo que o peso total permaneça em 35%.

A Argentina, avalia Fleury, deu um passo rumo à harmonização de seu sistema tributário com as tendências e práticas internacionais, em uma clara resposta à reforma tributária americana. Para o Brasil, diz ele, fica o sinal de alerta.

Ao comentar as propostas de se adotar novamente a tributação sobre a distribuição de dividendos, o presidente do Insper, Marcos Lisboa, diz que o país gosta de "uma discussão atrapalhada". Para ele, é preciso, em primeiro lugar, ficar claro que o país já tributa o lucro corporativo, mas que escolheu fazer isso em uma única etapa, para reduzir a sonegação, optando pela chamada substituição tributária.

Lisboa observa, porém, que "o mundo está mudando, e o Brasil vai ter que mudar". Segundo ele, há uma tendência global de se tributar menos, diretamente, o lucro da empresa. "O IR corporativo caminha para 20%, e se tributa a distribuição de dividendos."

Lisboa aponta ainda a importância de que, na hora de se tributar os dividendos, que também passe a ser taxado o lucro distribuído pelas empresas do Simples e das que estão no regime do lucro presumido. "Aí sim está a grande brecha tributária", afirma ele, para quem a questão não é acabar com os dois regimes favorecidos. "Você reduz o imposto de renda para 20%, um padrão para o qual o mundo está indo hoje, e passa a tributar a distribuição de resultado de empresas, todas elas."

Defensor de uma reforma tributária ampla, Appy, do CCiF, acha que as mudanças na tributação sobre a renda podem ser discutidas numa proposta maior, mas também poderiam caminhar de forma pontual. Para ele, um novo modelo, mesmo tendo resultado líquido neutro para a arrecadação, precisa ser discutido como forma de aumentar a eficiência da economia.

O argumento técnico a favor da mudança de mix na tributação do lucro, diz Appy, é o incentivo aos investimentos. "Isso não garante, porém, que os investimentos terão qualidade. Mas também há o argumento de que o investimento, mesmo não tão bom, é melhor para a economia do que a distribuição do lucro à pessoa física."

Ainda na linha dos incentivos econômicos, o presidente da Associação dos Investidores do Mercado de Capitais (Amec), Mauro Rodrigues da Cunha, vem sustentando que o modelo de tributação brasileiro incentiva a descapitalização das companhias, ao isentar a distribuição dos lucros e tributar o ganho de capital com alíquotas progressivas a partir de 15%.

Com a ressalva de que "nenhuma mudança tributária é fácil", Appy diz acreditar que a recriação do IR sobre dividendo pode contar com maior convergência política, além de poder ser feita por lei ordinária, o que é mais simples do que uma reforma do ICMS estadual.

Outro aspecto da reforma na tributação nos EUA que o próximo presidente do Brasil deve considerar, diz Fleury, do FCR Law, é que o sistema passou do universal para o territorial, que é adotado em 29 dos 35 membros da OCDE. A mudança impede que as empresas americanas com investimento no Brasil abatam, do imposto devido lá, os 34% pagos aqui.

O Brasil segue o antigo modelo americano, da universalidade, mas com a diferença de que cobra o imposto no ano em que o lucro é gerado, numa espécie de regime de competência, e não apenas quando é repatriado, como os EUA faziam até 2017. Para o advogado, o modelo dificulta a internacionalização das empresas brasileiras.

Fonte: Valor Econômico

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