Decisão é a primeira que se tem notícia e garante benefício por 90 dias
Um contribuinte obteve na Justiça o direito de recolher, por 90 dias, PIS e Cofins sobre receitas financeiras com alíquotas reduzidas - de 2,33% no total -, previstas em decreto revogado neste início de ano pelo governo Lula. A liminar, da 13ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), é a primeira que se tem notícia. Cabe recurso.
A redução tinha sido instituída pelo Decreto nº 11.322, assinado pelo então presidente em exercício da República, Hamilton Mourão. O texto foi publicado no dia 30 de dezembro, no penúltimo dia do governo Bolsonaro.
O impacto da medida estava calculado em R$ 5,8 bilhões. Mourão baixou a alíquota do PIS de 0,65% para 0,33%. Da Cofins, de 4% para 2%. A justificativa era de liberar recursos para que empresas no sistema não cumulativo pudessem “expandir suas operações, investir e criar novos empregos”.
Na virada do ano, porém, a norma foi revogada por novo decreto, de nº 11.374, assim como outras editadas anteriormente. A medida foi assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e restabeleceu as alíquotas originais de PIS e Cofins.
Com a alteração, diversos contribuintes resolveram recorrer ao Judiciário. Alegam que essa elevação das alíquotas das contribuições sociais só poderia entrar em vigor após 90 dias da publicação do decreto - ou seja, cumprir a chamada “noventena” -, conforme jurisprudência já consolidada no Supremo Tribunal Federal (STF).
A primeira liminar que se tem notícia foi concedida pelo juiz Evandro Ubiratan Paiva
Silveira, da 13ª Vara Federal de Porto Alegre. Ele afirma, na decisão, que o Decreto nº 11.374, de 2023, ao restabelecer as alíquotas de PIS e Cofins anteriormente reduzidas, promoveu majoração de tributos com efeitos imediatos. Nesse caso, acrescenta, deve ser observado o princípio da anterioridade nonagesimal (90 dias), já confirmado em outras situações semelhantes pelo STF.
A decisão cita a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5277 e o Tema 278 da repercussão geral (RE 568503), de 2014. A tese firmada estabelece que “a contribuição para o PIS está sujeita ao princípio da anterioridade nonagesimal previsto no artigo 195, parágrafo 6º, da Constituição Federal. E acrescenta que, “nos casos em que a majoração de alíquota tenha sido estabelecida somente na conversão de medida provisória em lei, a contribuição apenas poderá ser exigida após noventa dias da publicação da lei de conversão”.
O magistrado ainda destaca, na decisão, que estaria presente também o perigo da demora, “considerando que a exigência de recolhimento a maior de tributos impõe um ônus financeiro exagerado ao impetrante, sendo certo, ainda, que o provimento ora deferido não é irreversível, podendo a cobrança ser restabelecida a qualquer momento, sem prejuízo à existência do crédito fiscal”.
Com a decisão, a empresa garante, até abril, a aplicação das alíquotas de 0,33% de PIS e de 2% de Cofins sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge (mandado de segurança nº 5000422-
72.2023.4.04.7100). O período de 90 dias é contado da data de publicação do Decreto nº 11.374/23.
De acordo com o advogado que assessora a empresa, Rafael Goulart, sócio do Abreu, Goulart & Santos Advogados, a decisão é importante por aplicar o entendimento consolidado do Supremo sobre o tema. “O contribuinte não pode ficar à mercê de um conflito de políticas fiscais, mesmo que seja na transição de um governo para o outro”, diz.
Ontem, ao anunciar o pacote de ajuste fiscal, a equipe do ministro da Economia, Fernando Haddad, criticou o decreto do governo Bolsonaro que reduziu as alíquotas de PIS e Cofins e disse que a questão do prazo de 90 dias ainda está em análise. No entendimento dos técnicos, não foi o contribuinte que foi surpreendido, mas a Fazenda Nacional.
Para Rafael Goulart, contudo, se o Poder Executivo não consegue dar a segurança e estabilidade política, o Judiciário tem que assegurar o ordenamento jurídico. “É preciso observar a Constituição Federal, que assegura esses 90 dias “, diz o advogado.
Ainda que sejam três meses de alíquota reduzida, o impacto da discussão é relevante para as empresas pelo volume de operações, segundo advogados.
Caio Malpighi, da área tributária do Mannrich e Vasconcelos Advogados, afirma que a decisão é acertada. “Garante um mínimo de segurança jurídica aos contribuintes, que não podem ser prejudicados pela falta de comunicação entre o antigo governo, que reduziu as alíquotas, e o novo governo, que revogou a redução”, diz.
Na opinião do advogado Rubens Souza, do W Faria, era questão de tempo para o Judiciário começar a proferir decisões favoráveis aos contribuintes. “A jurisprudência é bem firme com relação à noventena. E como não teve nada expresso no novo decreto sobre o início da vigência, é natural que os contribuintes entrem no Judiciário para se ter essa segurança jurídica.”
Maurício Faro, do BMA Advogados, considera a decisão “muito técnica”. Destaca o fato de citar os precedentes do STF - na ADI 5277 e na Tese 278 de repercussão geral. “As decisões do Supremo são muito claras. É preciso observar os 90 dias desde a publicação do decreto”, afirma.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico