Ministro Edson Fachin apresentou pedido de destaque e levou discussão para sessão presencial
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu passar uma borracha nas discussões que ocorreram, até aqui, sobre a “quebra” de decisões judiciais definitivas. Esse tema estava em julgamento no Plenário Virtual — com previsão de se encerrar sexta-feira — e já havia a maioria dos votos necessários para o resultado, o que, se confirmado, traria prejuízo aos contribuintes.
Fachin apresentou, ontem, um pedido de destaque. Essa sistemática, além de interromper o julgamento, transfere o caso para a sessão presencial e as discussões recomeçam com placar zerado. Será um novo jogo, portanto, para os contribuintes — ainda sem data prevista.
“O pedido de destaque provoca grande alívio. Como o caso estava indo, teríamos simplesmente a desconstituição da coisa julgada e no dia seguinte o contribuinte seria obrigado a pagar impostos aos quais não estava submetido”, diz Tiago Conde, sócio do Sacha Calmon.
Esse tema é considerado por advogados como um dos mais importantes em tramitação no Judiciário e havia, desde o começo, forte pressão da advocacia e do meio empresarial para que não fosse julgado no ambiente virtual.
Era a terceira tentativa dos ministros de concluir o tema. Das outras duas vezes que esteve em pauta, a discussão foi interrompida por pedidos de vista. O último deles, apresentado pelo ministro Gilmar Mendes, que reabriu o julgamento na última sexta-feira.
Só que os ânimos ficaram ainda mais acirrados. Os advogados perceberam que quase todos os ministros que já haviam se posicionado até aquele momento alteraram os seus votos, piorando a situação dos contribuintes.
“Não teve nenhum aviso. Advogados que tinham salvado os votos no começo do julgamento perceberam que havia algo estranho quando fizeram a comparação. Em tese, somente o ministro Gilmar, que estava com a vista, traria um novo voto. Nunca vimos isso acontecer antes”, diz um profissional a par do caso.
O que está em discussão é se as decisões judiciais definitivas, que favorecem os contribuintes, perdem o efeito — de forma imediata e automática — quando há mudança de jurisprudência na Corte. A decisão, quando proferida, terá impacto sobre todos os processos que discutem pagamento de tributos.
Poderá afetar, inclusive, casos passados, em que já houve a mudança de jurisprudência. Advogados mapearam, pelo menos, quatro teses grandes — com muito dinheiro envolvido — que estão nessa condição e poderiam trazer, de imediato, problemas para os contribuintes.
São elas: a cobrança de CSLL, IPI na revenda de mercadorias importadas, contribuição patronal sobre o terço de férias e a exigência de Cofins para as sociedades uniprofissionais. Se confirmado o resultado no Plenário Virtual, a Receita Federal teria passe livre para cobrar aqueles que estão amparados por decisões e, hoje, não recolhem esses tributos.
É que pela decisão que estava se desenhando, o contribuinte que discutiu a cobrança na Justiça e teve a ação encerrada (sem mais possibilidade de recurso) a seu favor — autorizando a deixar de pagar — perderia esse direito se, tempos depois, o STF julgasse o tema, com repercussão geral ou por meio de ação direta de inconstitucionalidade, e decidisse que a cobrança é devida.
Essa sistemática mudaria o formato que se tem atualmente. O Fisco, hoje, pode pleitear a reversão de decisões, mas existe um instrumento específico para isso, a chamada ação rescisória, que tem prazo de até dois anos para ser utilizado.
O novo entendimento abriria caminho, portanto, para que o Fisco retomasse as cobranças de forma automática — sem passar por todo o trâmite da rescisória.
Sete dos onze ministros haviam proferido votos nesse sentido antes de o julgamento ser interrompido, inclusive o Fachin.
Dois casos estão em análise e servirão como precedentes para todo o país (RE
949297 e RE 955227). Fachin é o relator de um deles e o ministro Luís Roberto Barroso do outro. Os dois haviam dito em seus votos que a perda de direito do contribuinte não seria imediata.
Eles consideram que a decisão do STF, validando a cobrança, se assemelha à criação de um novo tributo e, a depender do tributo que estiver em análise, têm de ser respeitados os princípios da anterioridade: a noventena (90 dias após a decisão) e a anual (ano seguinte à decisão).
Os relatores tinham a adesão de outros quatro ministros — Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber. Havia maioria, portanto, para fixar esse entendimento.
Somente o ministro Gilmar Mendes, dentre os que haviam se posicionado antes de o julgamento ser suspenso, discordava do cumprimento da anterioridade. Para ele, as cobranças poderiam ocorrer já a partir das novas decisões da Corte.
Um dos pontos que mais preocupa a advocacia — e pode ter motivado o pedido de destaque de Fachin — envolve a chamada “modulação de efeitos”. Aqui entra a polêmica mudança nos votos. Os dois relatores, Fachin e Barroso, excluíram dos próprios votos, na sexta-feira, o trecho que tratava da modulação.
Advogados dizem que essa parte é importante porque atinge todos os casos em que houve mudança de jurisprudência até aqui. Inicialmente, os ministros haviam estipulado como marco para a reversão das decisões o julgamento agora em análise. Valeria daqui para frente.
Esse foi o trecho excluído. Advogados interpretam que da formo como ficou depois do ajuste — sem a ressalva — valeria a data do julgamento de cada tema.
Os casos em discussão, por exemplo, envolvem cobranças de CSLL. Da forma anterior, com a modulação de efeitos, a Receita poderia exigir o tributo só daqui para frente. Sem a modulação, no entanto, as cobranças seriam possíveis desde o ano de 2007, a data em que o STF decidiu pela constitucionalidade do tributo.
Essa conta poderia ficar muito pesada. A CSLL incide sobre o lucro das empresas — tem alíquota de 9%. O acumulado, desde lá de trás, acrescido de correção e multa atingiria valores altíssimos.
Advogados chamam a atenção que grandes companhias seriam afetadas. Um dos casos em análise no STF, por exemplo, envolve a Braskem. A companhia obteve uma decisão definitiva da Justiça, a autorizando a não pagar CSLL, em 1994.
A discussão que chegou ao STF — e servirá de precedente — trata sobre um auto de infração aplicado em dezembro de 2006, cobrando valores não pagos pela Braskem entre 2001 e 2003. Não há informações, no entanto, se a Braskem está até hoje sem recolher o tributo. Procurada pelo Valor, a empresa informou que não comentaria o assunto.
O IPI na revenda de mercadorias importadas, outra tese importante que será afetada por esse julgamento, foi reconhecido pelos ministros em 2020. Nesse mesmo ano, também foi declarada a constitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária patronal sobre o terço de férias.
Sem a modulação, segundo os advogados, a Receita teria passe livre para, nesses dois casos, exigir os pagamentos desde lá e não somente a partir de agora — dois anos depois.
“A possibilidade de retroação dos efeitos da decisão do STF para colher situações protegidas até então é uma medida violenta”, afirma Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, acrescentando que, se prevalecesse, haveria muita discussão sobre como cobrar esses tributos.
Priscila Faricelli, do escritório Demarest, concorda que toda essa situação desaguaria novamente no Judiciário. A decisão do STF — sem a modulação —, diz, abriria porta para o Fisco cobrar tributos passados de empresas que têm decisões definitivas, vinham recebendo autos de infração por não pagar o tributo e estão discutindo essas cobranças e de empresas que têm decisão definitiva e até hoje não foram cobradas.
Para quem não foi cobrado até aqui, a exigência, em tese, poderia retroagir cinco anos. Já aquelas empresas que foram autuadas lá atrás e têm discussões em andamento seriam mais prejudicadas porque teriam que pagar o que está sendo cobrado — com correção pela Selic e multa de 75%, aplicada, automaticamente, se o contribuinte é autuado.
Fonte: Valor Econômico